sábado, 28 de maio de 2011

Entre Linhas... Sobre "Um Café com Sabor Diferente"


Este é um livro, como o próprio autor indica logo na capa da sua obra, de «estórias de pessoas e lugares de Almada». Todavia, para mim que o acabei de ler, esta colectânea de pequenos contos é, sobretudo, um conjunto de notáveis «retratos humanizados da vida de uma cidade».
Luís Milheiro relata-nos, numa escrita simples e acessível, desprovida de artificialismo, episódios do quotidiano de pessoas comuns, cujos sentimentos expõe de forma clara, apresentando-nos uma visão do mundo balizada por princípios e valores que demonstram o seu carácter sensível e a extraordinária capacidade para comunicar com os leitores.
Desde o escritor que considera que o mais chato da vida é «não nos conseguirmos alimentar dos nossos sonhos» (Fábrica de Pessoas), ao estudante apaixonado que continua a acreditar «numa sociedade mais justa, em direitos e oportunidades» (Um Amor Impossível), passando pelo jogador que «quando é derrubado à margem das leis do jogo, levanta-se sem olhar os adversários desleais» (O Efeito de Arquimedes), sem esquecer a inesquecível figura do homem que declamava poesia pelas ruas (A Carroça dos Poetas), do artista que «fez da vida um autêntico manifesto cultural, sempre fiel a quatro coisas: o surrealismo, o anarquismo, a mulher e os amigos» (Um Café com Sabor Diferente), ou do «único sobrevivente do velho “Clube de Poetas do Ginjal”, que se reunia rente ao Tejo onde “pescavam” palavras» (O Marcador de Livros), esta é uma galeria de factos e comportamentos imaginados fiéis, na sua essência, à realidade, que nos obrigam a reflectir sobre uma série de questões pertinentes na sociedade de hoje.
Através de uma linguagem intimista, assente numa estrutura narrativa sintética e coerente, utilizando como cenário o espaço geográfico local, Luís Milheiro consegue criar uma interactividade que nos transforma em peças dinâmicas de cada uma das suas histórias, muitas das quais deixam em nós a sensação de estarmos a partilhar vivências reais que a memória do autor terá, ou talvez não, ficcionado. A empatia é tal que, por vezes, julgamos serem nossas as suas lembranças... e quase acreditamos que, por conhecer os lugares descritos, aquelas pessoas fazem parte do nosso imaginário.
Mas esta obra tem, ainda, uma outra valência que considero muito importante... desperta em nós uma vontade imensa de ir passear a pé pelas ruas de Almada, Cacilhas e Cova da Piedade, na tentativa de descobrir a “janela mágica” por onde o Luís Milheiro espreitou para conseguir captar as emoções de cada local (A Rua Direita).
Este “café” que o Luís Milheiro nos oferece é, pois, uma agradável surpresa. Além da vantagem de não esfriar tem, efectivamente, um “sabor diferente” que resulta da dose certa entre a realidade e a ficção... por isso, vale a pena lê-lo.

Texto da autoria de Ermelinda Toscano, publicado no "O Scala", nº 30, Verão de 2004.

3 comentários:

Isamar disse...

A vida na cidade de Almada contada, escrita, por quem a conhece por dentro e por fora. Pelo relato , interessante, fica a vontade de o ler. Será que há semelhanças com o que se passa na cidade onde sempre vivi? Fiquei curiosa.

Beijinhos

momo disse...

Eu quero ler ese libro...

Maria disse...

Estou na fase da arrumação dos livros. Por vezes abro um e releio. Aconteceu com este, que tem um sabor diferente...

Beijinho, Luís.